"Blogue direccionado a hedonistas, plebeus, diletantes, pedantes, mongolóides, escroques, pulhas, girondinos, jacobinos, pretensiosos, aristocratas, afectados, presunçosos, humildes, demagogos, medíocres e tudo!" - Bernardo Diniz de Alcoforado in "Noel Bouton de Chamilly já não mora aqui"

terça-feira, 15 de maio de 2012

Um País Numa Chávena de Café















Duvido que outros países o tenham. Talvez Itália andará lá perto, visto que o consome de forma tão militante como nós. Este hábito tão nosso, como saudade e fado (ainda um dia hei-de escrever sobre esta ridícula falácia), de complicar o que de mais simples há na vida.

Nomear quase infinitamente uma pequena taça repleta de um líquido tão natural e simples como o café é obra.

Dependendo dos cambiantes que compõem a bebida, o português diverte-se a denominá-lo das mais diferentes formas de modo a fazer jus aos diferentes matizes que o compõem. É fascinante esta arte, ao mesmo tempo que revela, também ela, um pouco a esquizofrenia lusitana.

Qualquer português consegue atribuir mais nomes a um espresso e suas decomposições que Mendeleiev conseguiu atribuir a elementos químicos.

Esta coisa tão nossa, de tornar confuso algo tão puro e claro, tinha tudo para dar errado e, na maior parte das vezes deu. No entanto, por vezes, também nos permite alguns laivos de genialidade. Em mais alguma parte do mundo seria possível um indivíduo com transtorno dissociativo de identidade se tornar um génio literário lido em todo o mundo?

Fernando Pessoa é a problemática do café personificada. Tal como nós todos, ele não se encontrava bem, não sabia bem o que era, o que queria ser, para onde ia, donde vinha... Em suma, estava com as dúvidas que todos nós temos a vida toda e com o insaciável desassossego de qualquer manga-de-alpaca. No entanto, tal como fazemos com os cafés, Pessoa decidiu complicar e nomear todo e qualquer transtorno de identidade com que se deparou na vida. Fizesse eu o mesmo e teria já coleccionado mais heterónimos do que Pessoa e o Manuel João Vieira juntos.

Posto isto e de forma a não me afastar mais do propósito inicial deste post apenas me resta mencionar alguns dos títulos que me surgiram para nominar o café. Não contentes em designar as mais diferentes formas de tirar café, conseguimos, ainda, atribuir, pelo menos, quatro nomes para o mesmo produto: café, bica, espresso e cimbalino. Num país com 100m2 é de louvar.

Assim de cabeça e como quem bebe um café de um só trago: abatanado, escaldado, em chávena fria, pingado, garoto, italiana, curto, longo, sem princípio, carioca, descafeinado, com cheirinho (o meu preferido), duplo... e mais não sei, deixo à vossa imaginação.

Depois os portugueses são complicados, pouco claros e objectivos e sem capacidade de síntese. Quando neste país um café for um café talvez se cumpram um dia as palavras de José de Almada-Negreiros: "Portugal inteiro há-de abrir os olhos um dia - se é que a sua cegueira não é incurável e então gritará comigo, a meu lado, a necessidade que Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado".

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